Migas de Espargos

Migas de Espargos, um manjar de deuses para pobres mortais. Serve-se na exangue Planície Transtagana. Prove, antes que acabe.

2006/02/16

Questão de vida ou de morte no Sahara ou num qualquer hospital português!

Hassan e Al-Hassad repartiam um pequeno oásis, no Sahara, a uma distância de 10 litros de água da cidade mais próxima, palmilhando dunas sobre os velhos camelos. Cada um possuía uma tosco abrigo de adobe e uns quantos recursos alimentares, dois poços de água incluídos. Al-Hassad detinha ainda um recurso suplementar: uma carabina e cartuxos.

A precaridade dos recursos tornou-os austeros, um tanto amargos, desconfiados e parcos nas palavras. Olhavam-se de soslaio e cumprimentava-se com grunhidos.

Um dia, inesperadamente, o poço de Hassan secou. Percebendo a perturbação do vizinho, Al-Hassad carregou a carabina e sentou-se junto ao abrigo, de guarda ao recurso vital, a vinte metros do poço.

Um dilema fundamental devastava a mente de Hassan: ou tentava chegar à cidade, com o litro de água que lhe restava na ânfora; ou embarcava na aventura de roubar água ao vizinho.
Hassan sabia que precisava de 10 litros de água para se aventurar dunas afora. Tendo apenas um, as probabilidades de sobreviver eram reduzidas: uns miseráveis dez por cento.

Contudo, se esperasse pela noite, (e se fosse suficientemente hábil e silencioso), deslocando-se ao longo da fileira de aluendros que bordejavam o abrigo do vizinho, quando este, vencido pelo cansaço, adormecesse, talvez... quem sabe: à mente calculista (e sôfrega, e febril) de Hassan assomavam uns avantajados 90 por cento de êxito.

A decisão estava tomada.

Quando, altas horas, e pela vigésima vez, a cabeça de Al-Hassad adornou e não voltou do ombro, o sequioso crente, rastejou, sorrateiro, encheu (silenciosamente) a ânfora, afastou-se, aparelhou o camelo e partiu. O vizinho acordou, sobressaltado, com o roçagar do animal nos arbustos, correu, às cegas, na direcção do ruído e disparou dois tiros. A gargalhada de Hassan, uns bons trezentos metros adiante, fez-lhe perceber que errou.

O que tem esta história a ver com os hospitais portugueses?É simples: Se você entrar num hospital nacional para uma intervenção cirúrgica, tem muitas possibilidades (cerca de 90 por cento) de não apanhar uma infecção bacteriológica fatal. Os outros 10 por cento são um tiro mais certeiro de Al-Hassad.