Migas de Espargos

Migas de Espargos, um manjar de deuses para pobres mortais. Serve-se na exangue Planície Transtagana. Prove, antes que acabe.

2007/10/30

Educação terapêutica

Os Portugueses são, na generalidade, o retrato (não completamente fiel, por menos culto) do impagável Pangloss, personagem do "Cândido", de Voltaire: não vivemos num mundo perfeito mas vamos vivendo no melhor dos mundos possíveis, não vale a pena lutar para mudar o que não se pode mudar, tudo é harmónico neste fado, tudo tem de ser como é: a rosa precisa do olhar que extasia; a corça precisa do seu predador; o povo precisa dos seus governantes. Se bem que haja uma diferença substancial entre ser governado em Portugal ou na Finlândia.

Esta espécie de fatalismo determinista tem sido o principal obstáculo ao desenvolvimento do País e é também responsável pelo carácter submisso e dócil deste povo plantado aqui nos confins do Ocaso.

Isto aplica-se a (praticamente) todos e as famílias dos deficientes não fogem à regra. Trinta e tantos anos de Democracia não despertaram ainda a (mais do que saudável) intransigência cívica. A intransigência pode então ser saudável? Quando se trata de direitos e deveres, decididamente, SIM! Só a falta dessa clarividência explica (em mais de três décadas) a aceitação de um sistema que ignorou, olímpica e sistematicamente, a educação terapêutica, em contexto de integração. Os movimentos de Pais que, consistentemente, criaram uma rede nacional de CERCI´s, APPACDM´s e umas quantas IPSS´s provam que os portugueses não esperam nada dos seus governantes, nesta área específica.

Era para esperar? Claro que sim. Com tanto (ou maior) empenho quanto o usado nas outras áreas educativas. Não há maiores ou menores esforços: todos nasceram (nascemos) aqui.

Em teoria, na organização do sistema, existe espaço para a integração. Na prática, o funcionamento, mais do que ineficaz, é inábil, permanece bloqueado por resistências várias e o défice de recursos não resiste a um olhar, ligeiro que seja. Trata-se, em suma, de um regime hipócrita: tem forma mas não tem substância; é um esquema, um esboço imperceptível; permanece mas não acontece. Se fosse uma empresa, já teria falido: por má gestão, por fraca produção, por não satisfazer a (volumosa) carteira de clientes.

Mas estamos em Portugal. Por que haveria de funcionar bem esta área específica da educação? Quando falham a justiça, a saúde, as empresas, os governos, porque haveria de funcionar bem a educação? Ou melhor, porque haveria de funcionar bem tudo o resto quando a educação (o sector estratégico por excelência) tropeça nas próprias contradições.

Este raciocínio, ainda que inscrito num quadro difícil de desmontar, enferma de uma lógica perigosa que pode levar as pessoas a desistir de lutar, a julgarem-se no meio de uma batalha perdida.

E não pode ser. Se não podemos fugir aos deveres, também não queremos abdicar dos direitos. Lutemos por eles. Exijamos ao Estado nada menos que tudo. É o mínimo que podemos fazer face à máquina de extorquir as parcas poupanças dos cidadãos em que ele (Estado) se tranformou. No final, pode ser que possamos reaver uma pequena parte do que nos levaram e do que sistematicamente nos é negado.

Podemos contar vantagens do sistema de integração terapêutica? Só podemos. A integração é a resposta natural à problemática da deficiência. É um sistema exigente que consome recursos materiais e implica empenhamento dos recursos humanos dedicados. E vontade política.

Desde quando a exigência é factor mais impeditivo que estimulante? Em Portugal (parece que) desde sempre. A viragem é possível. Exigem-no os 10 por cento de portugueses afectados por um qualquer tipo de deficiência. E mais as suas famílias.