Migas de Espargos

Migas de Espargos, um manjar de deuses para pobres mortais. Serve-se na exangue Planície Transtagana. Prove, antes que acabe.

2006/03/04

A Parábola da Batata

Uma praia escondida, algures no litoral. Acesso difícil, alcantilado mas, depois, um pequeno naco de paraíso, com a nota, inverosímil, de um pequeno hortejo, entre a última rocha e a areia. Nele, um velho pescador semeia e colhe, regularmente, viçoso e diverso complemento do pescado, base do seu sustento. Rosto rugoso, tisnado por muitos sóis e mais ventos, abre um rego, deixa passar o fio de água que escorre do penhasco, e logo o veda. Depois, repete tudo, na leira seguinte.
O primeiro veraneante do dia, são poucos os que arriscam a descida, cumprimenta e pára. Corre o hortejo com o olhar. Agrião, espinafre, couve, nabo e nabiça, até pepino e tomate. Batata, não. Estranhando a falta do fiel tubérculo, o homem faz eco da sua estranheza, inquirindo o pescador.
Amigo - levanta-se o pescador, afagando o moído rim, enquanto se apoia na sachola - as batatas, semeio-as, ali mais abaixo, no extremo do quinxoso, junto ao mar. Na enchente, a água entra na leira e fecunda a terra e a batata.
Gargalhando, agradado pela intimidade que a graçola inspira, o homem aproxima-se, apoia a mão no ombro do pescador e sugere, entre risadas: "companheiro, temos o problema do País resolvido, com tantas léguas de costa, basta semear batatas. Adeus dificuldades, adeus crise"!
Fixando, penetrante, desapontado, sério, os olhos do interlocutor, o pescador remata, certeiro, "homem, não tem solução essa crise, é mais fácil o mar criar batatas!"